terça-feira, 12 de agosto de 2014

O problema com o movimento pelos "direitos dos homens"

O movimento de "direitos dos homens" (em inglês, Men's Rights Activism - MRA), também chamado no Brasil de masculinismo, utiliza diversas estatísticas fora de contexto para avançar suas ideias de que homens, na verdade, são socialmente oprimidos. Recentemente encontrei um post no Facebook que listava algumas dessas estatísticas especificamente listadas para provar que, na verdade, os homens estão em situação desfavorável. O post era o seguinte:
40% das vítimas de violência doméstica são homens
94% das mortes e acidentes industriais acontecem para homens
75% de todas as internações em clínicas para tratamento de vício em droga
vem de lar sem pai
42% dos que se formam na universidade são homens
90% dos divórcios são requerido por mulheres
30% dos pais que registraram uma criança em seu nome ao fazer um teste de DNA descobrem que NÃO SÃO os pais biológicos
85% das crianças que apresentam distúrbios de comportamento provém de lar sem pai
71% das desistências no ensino médio são de lares sem pai
60% MENOS verba é destinada pelo governo para pesquisas sobre câncer de próstata em comparação à verba destinada para pesquisas sobre câncer de mama a despeito de vitimarem igualmente
80% dos suicidas são homens
63% dos suicídios de jovens estão relacionados a lares sem pai
76% dos assassinados são homens
90% dos moradores de rua são homens
90% das crianças de rua provém de lares sem pai
85% das detenções juvenis provém de lares sem pai
97% das mortes em combates desde a Guerra do Golfo foram de homens
90% dos pedidos de guarda por parte do pai são RECUSADOS.
Algumas dessas estatísticas são falsas (como a de violência doméstica), mas eu decidi escrever uma resposta mais extensa sobre por que o uso dessas estatísticas não faz qualquer sentido dado os objetivos dos masculinistas.
O problema com o MRA é que é um movimento que wants to have their cake and eat it too.

Eles querem manter uma cultura que estipula certos comportamentos culturais para os homens e não querem assumir os custos desses comportamentos.

Vamos deixar de lado a estatística mentirosa sobre violência doméstica. Algumas dessas outras estatísticas são falaciosas também, mas vamos tomá-las pelo valor de face.

A penúltima estatística, por exemplo, afirma que 97% dos mortos em combates militares desde a Guerra do Golfo são homens. Não sei se é uma estatística verdadeira, mas vamos presumir que seja.

O dado omitido é que mulheres historicamente são mais contrárias a intervenções militares e tendem a não entrar no exército. Nos EUA o alistamento não é obrigatório nem para homens nem para mulheres; os homens, porém, culturalmente procuram mais o serviço militar e são empregados em posições de combate.

Essa estatística é tão irrelevante quanto dizer "95% dos executivos que se suicidam são homens", porque omite o fato de que entre os executivos há uma proporção esmagadora de homens. Também seria absurdo dizer que não há discriminação contra negros porque dentre as pessoas que pagam mais impostos os negros são os que menos pagam - o que pode ser verdade, mas que omite o fato de que negros pagam menos impostos proporcionalmente porque têm rendas menores.

Outro dado: mulheres são maioria nas universidades (a proporção nos países ocidentais gira em torno de 60% de mulheres, 40% de homens e também já vale para o Brasil). Esse eu posso atestar que é verdadeiro.

O que esse dado não diz é que os homens tendem a deixar os estudos por causa de demandas para que assumam a liderança financeira da casa, por exemplo, o que os força a arranjar empregos e impede que estudem.

Por outro lado, as mulheres também tendem a completar mais os estudos por causa do paternalismo de que elas não devem entrar no mercado de trabalho e devem se concentrar mais a atividades intelectuais por causa de sua natureza delicada, etc. E isso não leva nem em conta o fato de que cursos técnicos, por exemplo, como de engenharia são fortemente dominados por homens por motivos banais, enquanto mulheres tendem a entrar em áreas classicamente consideradas "femininas", como psicologia - reforçando a ideia de que os homens são os únicos capazes de fazer o heavy lifting no trabalho, enquanto as mulheres são as únicas capazes de empatia humana.

Quer dizer, o patriarcalismo empurra os homens para fora da universidade e empurra as mulheres para dentro por motivos essencialmente iguais e essencialmente estereotipadores.

A estatística sobre as guardas infantis também me parece verdadeira, mas ela é revoltante justamente por isso.

Ela significa que juízes (majoritariamente homens, inclusive) ainda veem a mãe como a "provedora" dos filhos e, também por motivos paternalistas, tende a dar a guarda a ela. O pai ainda é culturalmente visto como um acidente e não como parte integral da criação e da vida da criança, o que faz com que os argumentos dele para a guarda infantil após a separação sejam vistos como mais fracos.

A estatística sobre crianças de rua só reforça essa ideia. Os homens aí não são vítimas, são os culpados: crianças de rua tendem a sair de lares sem pai. É verdade que crianças de rua tendem a advir de lares desestruturados; e isso acontece porque culturalmente os homens não assumem sua responsabilidade familiar e social em pé de igualdade com as mulheres. Nas favelas, mães solteiras em dificuldade econômica predominam. Se os filhos dessas mães acabam em situação de dificuldade, isso torna os homens, que fugiram de sua responsabilidade como pais, vítimas ou agressores?

Em resumo, os dados, mesmo que verdadeiros (e alguns são manipulados), contam outra história.

Eles dizem que os homens que não desejam se sujeitar à visão de masculinidade clássica que grupos de ativismo masculinista são desprivilegiados em relação aos homens que assumem seu papel dentro de uma cultura patriarcalista, que coloca as mulheres em posição de fraqueza e deveres com a família, enquanto os homens ao mesmo tempo devem ser provedores mas têm menos deveres familiares ou sociais.

É por isso que as estatísticas do MRA são falaciosas.