segunda-feira, 22 de julho de 2013

O liberalismo em cinco pontos para o Brasil

O último texto do concurso do Instituto Liberal pedia para elaborarmos cinco pontos principais para avançar o liberalismo no Brasil. Imagino que o meu texto tenha ficado um pouco fora do que os organizadores esperavam para suas propostas. A ideia do texto, inclusive, advinha dos cinco pontos de Margaret Thatcher para a Inglaterra; minhas sugestões, por outro lado, iam para um lado um pouco menos conservador, digamos.

Não foi meu melhor texto (acho que o melhor foi o que de fato foi premiado), mas pelo menos cortou um pouco a sequência de textos fracos na reta final do concurso.

Cabe dizer que, apesar de os textos serem curtos, era bastante desgastante ter que produzi-los toda semana, consistentemente, principalmente considerando a rigidez do regulamento. As it turns out, fazer um texto de 10 páginas não é o maior problema; o pior é condensar tudo em uma página e meia.

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O economista Joseph Schumpeter postulou que, numa economia de mercado, ocorrem ondas de "destruição criativa".1 O que o austríaco queria dizer é que uma economia capitalista tem surtos de inovação que alteram o horizonte econômico. Schumpeter era pessimista sobre as consequências da destruição criativa. A história, porém, é inequívoca: a destruição criativa tem sido a força motriz do progresso social nas economias de mercado.

Os governantes de ontem e hoje sabiam disso e temiam que uma mudança muito radical no cenário da economia também trouxesse radicais mudanças políticas. Na Rússia, por exemplo, até 1842, havia somente uma ferrovia. Enquanto a Revolução Industrial se espalhava pela Europa continental, os governantes russos e de outros países absolutistas temiam pela própria perda de poder político advinda da mudança de mãos do poder econômico. Por isso, não permitiam a construção nem mesmo de uma ferrovia no país. Muito menos fábricas.2

Assim, creio eu, ao contrário de Margaret Thatcher, que as cinco medidas essenciais para a vitória liberal no Brasil não são condições para as reformas liberais. Ao contrário, as reformas liberais são, em si próprias, as condições para que tenhamos um estado menos exploratório e uma ordem econômica mais justa. Não são fins, mas meios.

Listo quais são a medidas liberalizantes mais essenciais, em minha opinião, em ordem de prioridade:

1. Mudança drástica na política de drogas do país. A mudança mais importante que deve ocorrer. As drogas são o problema número um do Brasil nos últimos 40 anos. O combate ao tráfico não só é uma das principais causas das violências nas grandes cidades brasileiras. Ele lotou nossas penitenciárias, que prendem pessoas em condições sub-humanas. Ele moldou o crescimento urbano brasileiro (com o sitiamento de comunidades, transformadas em favelas, vivendo sob o jugo dos traficantes e num de facto estado policial). E, ainda, justificou o crescimento da brutalidade policial, além de uma constante invasão das liberdades individuais.

A política de drogas brasileira deve ser revista imediatamente. É o problema nacional. A legalização inicial da maconha serviria como grande avanço para abrandar a violência urbana, afrouxar nossas cadeias e melhorar as condições de vida dos moradores das favelas.

2. Radical abertura comercial. O último grande movimento liberal vitorioso foi a Anti-Corn Law League, da Inglaterra, liderada por Richard Cobden e John Bright.3 O protecionismo agrícola inglês, na época, matava pessoas de fome e mantinha milhões ainda na pobreza. Com a vitória das ideias de livre mercado de Cobden e Bright, a vida de um quinhão imenso da população imediatamente melhorou.

Igualmente, no Brasil, com a queda das barreiras protecionistas, experimentaríamos um novo padrão de consumo e milhões de indivíduos rapidamente seriam tirados da pobreza.

3. Fim dos subsídios. O BNDES e outros instrumentos de fomento no Brasil têm que acabar. São ferramentas de retroalimentação: quem tem poder político consegue subsídios que, por sua vez, aumentam seu poder político. Temos que quebrar esse ciclo vicioso e submeter nossos empresários à concorrência. Nossos produtos agrícolas não podem ser mais financiados pelo erário e faria bem ao Eike Batista efetivamente ter que produzir bens.

4. Abolição das leis trabalhistas. As leis trabalhistas nacionais são resquícios fascistas da ditadura getulista. Só servem para manter os trabalhadores menos capacitados fora do mercado e, portanto, impossibilitados de se capacitar. Os termos de trabalho devem ser negociados livremente para que os mais pobres sejam capazes de se inserir no mercado.

5. Estabelecimento de melhores direitos de propriedade. Por último, para mudar totalmente nossas instituições, teríamos que proteger os direitos de propriedade de todos no Brasil. Isso significaria direitos de propriedade urbanos para todos, como sugerido por Hernando de Soto.4 Significaria direitos de propriedade rural fortes, sem a necessidade que os agricultores sejam subsistentes - para que se insiram no mercado e na sociedade de forma produtiva. Significaria também um judiciário que respeite as posses de todos, não só da nossa elite político-econômica. Difícil? Sim. Seria difícil estimular a paixão dos liberais se nossos objetivos fossem fáceis.

Notas:

1 SCHUMPETER, Joseph A. Capitalismo, Socialismo e Democracia. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura, 1961.

2 ACEMOGLU, Daron; ROBINSON, James. Why Nations Fail: The Origins of Power, Prosperity, and Poverty. Londres: Profile Books, 2012.

3 EBELING, Richard M. Democratized Privilege: The New Mercantilism. Disponível em: Acesso em 27/04/2013.

4 DE SOTO, Hernando. O Mistério do Capital: Por que o capitalismo dá certo nos países desenvolvidos e fracassa no resto do mundo. Rio de Janeiro: Record, 2000.

O intervencionismo e suas circunstâncias

Artigo para a sexta semana do prêmio Donald Stewart Jr., e outro pouco inspirado, somente para completar a participação em todas as semanas do concurso.

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Desde a publicação de O cálculo do consenso1, em 1962, ficou bastante claro para os economistas uma das principais razões por que os governos tendem a ser intervencionistas. Governos, afinal, estão sempre sujeitos a pressões sociais. Os interesses dispersos dos consumidores, porém, serão sempre mais fracos que os interesses concentrados dos produtores. Logo, não é de se admirar que os estados ao redor do globo estejam sempre a postos para intervir no mercado. Trata-se de uma mera questão econômica; os rentistas podem mais facilmente se organizar para ganhar privilégios, enquanto os custos para o resto da população para se defender desses privilégios adquiridos é muito alto.

Além disso, os governos não devem ser vistos como ferramentas neutras para atingir fins sociais diversos e que devem ser avaliados pontualmente. "A essência do governo é o poder", já observava James Madison, e ele tinha poucas dúvidas: foi presidente dos Estados Unidos e um grande apoiador da centralização política americana. Um apanhado histórico dá razão a Madison: ao redor do mundo os governos são definidos pela força e organizados de forma a concentrarem a maior quantidade de poder possível nas mãos de determinados indivíduos.

Assim, há duas razões primárias para o governo se envolver em questões econômicas: é vantajoso para os próprios componentes do governo e é vantajoso para quem consegue direcionar o governo para seus interesses, o que, como ensinam os economistas da escolha pública, necessariamente será uma pequena minoria. Há ainda a terceira justificativa para intervenção governamental: a demanda do público.

Como afirmou o economista Murray N. Rothbard, não é crime ser ignorante numa matéria especializada como a economia, mas é irresponsável ter uma opinião forte sobre o tema ao permanecer nesse estado de ignorância. Infelizmente, uma vez que a reflexão econômica está presente cotidianamente na vida das pessoas, é difícil que elas deixem de emitir uma opinião a respeito. E, frequentemente, essa opinião é falsa.

Mas são essas próprias ideias falsas que dão origem a demandas por intervenções governamentais. Essas intervenções causam novos problemas imprevistos, como observava Mises, que são combatidos por novas intervenções, num ciclo vicioso permanente.2

Como se vê, o crescimento do intervencionismo estatal tem potentes incentivos; por todos os lados, há motivos ideológicos e econômicos para que o estado aumente.

Por outro lado, assim como a opinião pública pode justificar o intervencionismo, ela é também a única barreira contra ele. E é por isso que

Mises defendia que aprender economia não era uma tarefa para as elites e para intelectuais especializados. A economia é uma ciência que afeta diretamente o dia-a-dia das pessoas e das sociedades. É quase impossível se furtar a fazer pronunciamentos econômicos e, em verdade, são essas opiniões que definem o que é ou não admissível em questões político-econômicas.

Ou seja, os rentistas só conseguem extrair seus benefícios do estado porque há uma opinião prevalente na sociedade que permite que isso ocorra. Da mesma maneira, o governo só pode avançar sobre quaisquer liberdades, inclusive a de comércio, se tiver a anuência da população.

Logo, trata-se de um importante dever cívico sair do estado de ignorância econômica em que nos encontramos e nos informarmos cientificamente sobre quais seriam as consequências de nossas ideias. Bastiat, o célebre economista francês, afirmava que maus economistas só viam o que estava à frente de seus olhos, enquanto o bom economista era capaz de observar aquilo que só era visível com o "olho da mente".3

A economia que está à nossa frente parece óbvia, mas sua interpretação é complexa. A única forma de preservarmos nossa liberdade e uma economia livre e próspera é aperfeiçoando individualmente os olhos de nossas mentes.

Notas:

1 BUCHANAN, James; TULLOCK, Gordon. O cálculo do consenso: A fundação lógica da democracia constitucional. 1962.

2 MISES, Ludwig von. Ação Humana: Um tratado de economia. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010.

3 BASTIAT, Frédéric. “O que se vê e o que não se vê”. In: Ensaios. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1989.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

A propriedade privada como necessidade econômica

Texto da quinta semana do Prêmio DSJ, um dos mais fracos da leva, na minha opinião.

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A presença de direitos de propriedade privada é a condição sine qua non para a existência de um mercado. A própria ideia de mercado não faz sentido ao excluirmos o conceito de propriedade privada. Afinal, o mercado, por definição, é uma instituição ou um sistema no qual os indivíduos fazem trocas. Sem direitos de propriedade, ou, no mínimo, propriedades de facto, mercados não existem.

É possível imaginar outros regimes de propriedade, contudo. Concebe-se, por exemplo, que todos os bens num determinado território sejam de propriedade do estado ou de toda a coletividade. Nesse caso, o problema econômico não passa por um mercado, mas é um mero problema de alocação dos bens disponíveis, por assim dizer. Notoriamente, os movimentos socialistas, por todo o mundo, concebem a questão econômica dessa maneira, como um problema – ao menos primordialmente – distributivo.

Claramente, um sistema em que não existam propriedades privadas é possível em uma pequena escala. Famílias, por exemplo, dividem muitas
das mesmas propriedades. Suas necessidades podem ser atingidas nessa pequena escala, mesmo sem uma clara delimitação dos limites do que pertence a um indivíduo e do que pertence a outro dentro da estrutura familiar. No entanto, é impossível extrapolar esse funcionamento em pequenos núcleos para o funcionamento de uma economia complexa.

Isso ocorre porque as economias são estruturadas de forma a satisfazer as necessidades de diferentes indivíduos que têm diferentes desejos ao menor custo possível. Se os direitos de propriedade não são delimitados, é impossível comparar a escassez de um bem em relação a outro. É impossível inferir razões de troca entre os bens, porque também é impossível saber a demanda por um bem em relação a outro. Ou seja, não há preços.

Por esse motivo, Ludwig von Mises, nos anos 1920, postulou a impossibilidade do socialismo. Outros economistas liberais já haviam discutido os problemas do socialismo como proposto por várias correntes – mas destacadamente os marxistas –, que propunham a extinção da propriedade privada dos meios de produção. Porém, Mises mostrou que não haviam apenas problemas, mas uma impossibilidade categórica de funcionamento de uma economia complexa baseada na propriedade coletiva dos meios de produção.1

Sem o controle privado dos meios de produção, não há preços para eles. Sem esses preços, não se sabe qual a sua escassez relativa, quais são os custos de produção de um bem, qual é a demanda por esses meios de produção. Os agentes são incapazes de fazer o cálculo econômico; eles agem sob um caos calculacional. Esse caos se estende para qualquer seara na qual não haja propriedade privada. Logo, as ações de qualquer governo também se dão sob esse caos.2

Mises, assim, colocou a propriedade privada no centro das discussões sobre a economia. Qualquer discussão econômica pressupõe um arcabouço de direitos de propriedade. Sem direitos de propriedade privada, discussões econômicas são fúteis, porque a alternativa é apenas o desejo arbitrário de um governante ou de uma coletividade.

Interessantemente, como indicam Daron Acemoglu e James Robinson, regimes que restringem ou acabam com a propriedade privada dos meios de produção (e frequentemente também de muitos bens de consumo) não são a exceção histórica, mas a regra.3 Estamos acostumados a pensar nos experimentos socialistas de planejamento central – a Rússia soviética e seus países satélites – como anomalias. Porém, o fato é que, ao longo da história, o controle sobre os meios de produção poucas vezes esteve nas mãos do indivíduo. Na maioria das vezes, era o estado, capitaneado por uma aristocracia, quem os monopolizava. Exemplos
incluem o estado inca, as cidades-estado gregas, a Europa medieval, entre outros.

Isso nos explica facilmente por que, por toda a história, a pobreza foi a condição prevalente da humanidade. Não havia calculo econômico nessas sociedades; qualquer crescimento econômico era impossível.

E por que economias em que há direitos de propriedade privada são tão raras? Acemoglu e Robinson respondem: porque a economia não era primordialmente voltada para as necessidades dos consumidores. A propriedade privada dá liberdade de ação aos indivíduos e a economia era voltada essencialmente para a necessidade da elite de controle social.

Referências

1 MISES, Ludwig von. Economic Calculation in the Socialist Commonwealth. Auburn: Ludwig von Mises Institute, 1990.
2 MISES, Ludwig von. Planned Chaos. Irvington: Foundation for Economic Education, 1981.
3 ACEMOGLU, Daron; ROBINSON, James. Why Central Planning?. Disponível em: Acesso em: 12 abril 2013.

terça-feira, 16 de julho de 2013

O estado de direito como sistema de poder

Este foi o texto que foi premiado no Prêmio Donald Stewart Jr. 2013. Ficou em terceiro lugar e vai me levar para uma turnê pelos EUA, para seminários de verão do Cato Institute e da Foundation for Economic Education.

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No filme Rain Man (1988), Raymond Babbitt (interpretado por Dustin Hoffman) utiliza a técnica de contagem de cartas para ganhar os jogos para seu irmão, Charlie Babbitt, personagem de Tom Cruise. A cena é emblemática porque Raymond não viola as regras que existem de fato. Agindo dentro do que é permitido, Raymond começa a vencer demais. Com isso, os seguranças da casa começam a vigiá-lo.

Uma analogia dessa cena pode ser feita com o que se convencionou a chamar de estado de direito – isto é, um estado no qual, teoricamente, o regime legal não está sujeito aos caprichos de um indivíduo ou grupo de indivíduos; onde as leis são aplicadas igualmente e ninguém está acima delas. O estado de direito se trata de uma meta-regra formal para aplicação de outras regras; estipula que há um estado de “leis”, mas não estabelece qual é o conteúdo dessas leis.

É aí que se encontra a maior fraqueza da conceituação do estado de direito e também um dos motivos por que ele não se mostra capaz de frear os avanços dos governos sobre as liberdades individuais: estabelecer que um regime seja “de leis e não de homens” não estabelece, acessoriamente, quem são os homens que efetivamente produzem as leis.

As leis, para os indivíduos comuns, são dadas. A população, de forma geral, tem muito pouco controle sobre as leis e regulamentos sob os quais vivem (por diversos motivos que fogem ao escopo deste texto, mas muitos dos quais são corretamente identificados pelos expoentes da escolha pública1). As pessoas recebem um dado sistema social e jurídico e a ele têm que se adaptar.

Como no caso de Raymond Babbitt, o que se verifica é que, se o indivíduo comum começa a “vencer” demais, as regras do jogo, que estão fora da sua alçada de influência, são modificadas. Raymond, sem violar nenhuma regra, fez com que as regras fossem modificadas. Os indivíduos, da mesma forma, estão sujeitos a um sistema que frequentemente foi desenhado para manter um sistema de sujeição e de domínio governamental e das elites privilegiadas. Caso os indivíduos encontrem alternativas a esse esquema de poder, as regras “da casa” são modificadas para permitir que a situação de vulnerabilidade dos indivíduos dentro do sistema social seja mantida.

Em 1984, de George Orwell2, essa ideia é levada a extremos. No país retratado no romance, Oceania, não existem leis escritas. Winston Smith, o personagem principal, ao escrever em seu diário, tem plena convicção de que será preso ao escrever em seu diário. Sua convicção advém do fato de que, mesmo sabendo que o que ele faz não é, objetivamente, “ilegal”, as leis podem ser torcidas de forma a tornar punível qualquer comportamento que coloque o indivíduo em situação de descolamento do poder estatal. A ideia do estado de direito dá a esse processo cru uma aparência de legitimidade e de representatividade. Pode-se dizer que o estado de direito ataca uma parte do problema, mas deixa de fora o essencial: estabelece que leis sejam universalmente válidas e aplicáveis, mas não é um conceito equipado para nos informar quais são essas leis universais.

Tal é o carma de diversos países da América Latina. Com sua tradição de paternalismo e caudilhismo, os países latino-americanos desfrutavam de razoável estabilidade de seu “estado de direito”. Porém, era um estado aparelhado pelas elites oligárquicas, que definiam sistematicamente quais deveriam ser as leis. E a aplicação universal das leis não importa se elas forem desenhadas para beneficiar um pequeno grupo desde sua concepção.

Esse rapto do estado na América Latina não só gerou distorções políticas e econômicas gigantescas, mas gerou grande ressentimento por parte da população, dando munição ideológica para movimentos demagógicos de esquerda como os de Hugo Chávez e Evo Morales (incidentalmente, Chávez e Morales atacaram o problema acabando com o estado de direito, ao invés de cortar o poder do estado de estabelecer privilégios legais).

Por isso, a reflexão de Hayek segundo a qual o estado de direito é “uma regra a respeito do que deve ser a lei”3 só é válida porque o estado de direito, sem um conteúdo legal liberal, é vazio. É apenas uma casca que pode validar qualquer regra e, assim, regras que sejam efetivamente tirânicas.

Referências

1 Cf. BUCHANAN, James. Cost and Choice: An Enquiry in Economic Theory. Indianapolis: Liberty Fund, Inc. 1999.
2 ORWELL, George. 1984. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
3 HAYEK, F. A. The Constitution of Liberty. Chicago: The University of Chicago Press, 1978.

A falsa solução estatal para a saúde

Artigo para a fanpage do LIBER.

A resposta mais característica dos governos ao serem defrontados com suas falhas intrínsecas é lançar "pacotes" de medidas para aplacar os ânimos da sociedade.

Invariavelmente esses pacotes são conjuntos de decretos, leis e provisões que levarão a uma piora da situação original e farão com que, em alguns meses ou poucos anos, a mesma situação requeira que novas medidas, leis, decretos e regulamentos sejam impostos para amenizar os problemas criados pelo primeiro "pacote".

Dilma Rousseff recentemente anunciou um "esforço" do governo para cobrir o déficit de médicos em diversas localidades do Brasil. Tal esforço inclui o aumento dos custos para se tornar médico.

É um contrassenso. O governo pretende fazer com que os médicos tenham um período probatório de dois anos no SUS, estendendo seu "curso" de seis para oito anos. Isso é válido tanto para estudantes de faculdades públicas quanto para os de particulares. O objetivo principal é "ampliar" a oferta de médicos coagindo-os a trabalhar para o governo durante tempo determinado.

Mais ou menos como uma nova versão do serviço militar obrigatório; porém, sabemos que a probabilidade de o governo alegar "excesso de contingente" e dispensar médicos do serviço forçado é próxima de nula.

A solução do governo não é apenas uma violação abjeta dos direitos individuais, mas também será inócua do ponto de vista da saúde. No longo prazo, o número de médicos não aumentará.

Por que não? Porque os custos para se tornar médico também aumentarão. Entrará no cálculo para uma pessoa entrar na medicina também esse período de trabalho mandatório para o governo. É de se esperar que muitos prospectivos médicos se sintam desestimulados por seus futuros profissionais.

Além disso, o governo pretende enviar médicos para locais com pouca ou nenhuma estrutura para o exercício médico. Combinando essa intenção com o fato de que teremos médicos sem experiência em locais sem condições de trabalho, temos uma receita de fracasso.

Os libertários, afinal, não cansam de repetir qual é a solução para a saúde. Não é mágica. Não é "pacote", não são leis, decretos, regulamentos. Os libertários sabem que, no campo da saúde mais do que em qualquer outro, o que faria com que os serviços melhorassem e seus custos baixassem seria o "simples sistema de liberdade natural".

Precisamos de uma desregulamentação radical do mercado de planos de saúde, aliada a uma liberalização dos cursos de medicina. Obrigatoriedades de médicos para executar certas funções devem ser abandonadas e outros profissionais de saúde devem ser prestigiados (enfermeiros, biólogos, quiropráticos, fisioterapeutas, etc).

Sem requerimentos mínimos dos planos de saúde, os pobres terão acesso a tratamentos. A competição aberta no ramo da saúde fará com que os preços caiam e os serviços melhores, além do aumento dos salários para os profissionais.

Qualquer solução para a saúde da população que envolva mais interferência estatal é uma fraude.

E o LIBER é contra.

O que queremos para nossas cidades?

Artigo para a fanpage do LIBER.

Queremos que pessoas andem nas ruas, se confraternizem em calçadas, praças e mercados ao céu aberto? Ou queremos que elas tenham que percorrer distâncias cada vez maiores para ver seus amigos?

Queremos que as pessoas morem próximas aos seus amigos, familiares e companheiros de trabalho? Ou será que preferimos que elas tenham que percorrer distâncias enormes em asfalto, vendo somente concreto e outros veículos pelas ruas?

A discussão sobre o "passe livre" nunca é colocada nesses termos, mas é isso que está em jogo. O passe livre é um subsídio ao deslocamento das pessoas de um local ao outro.

Trata-se de zerar a tarifa de umas pessoas e passar os custos para a sociedade como um todo. O efeito é claro: com o custo de utilizar o transporte público fixado em zero, a demanda aumentará - e muito.

O que não se discute, mas deveria estar na pauta, é o fato de que um subsídio ainda maior aos transportes públicos vai aumentar ainda mais a expansão urbana das cidades brasileiras. Em vez de facilitar os deslocamentos de pessoas, dará a elas incentivos para morarem cada vez mais longe umas das outras (já que elas não terão que assumir todos os custos de suas escolhas).

As pessoas viverão distantes de seus trabalhos, de seus amigos, de suas atividades sociais, de seus familiares. E as cidades ficarão cada vez mais desertas e tomadas por ruas e vias de acesso. Nós não temos que construir vias de acesso. Nós temos que ter mais lugares onde as pessoas possam e queiram permanecer. Ou seja, não temos que facilitar a chegada das pessoas a outros lugares; nossas cidades devem possuir lugares onde as pessoas podem chegar.

Deve-se ter em mente de que uma versão parcial do "passe livre" já é aplicada em maior ou menor grau em todas as cidades brasileiras. As tarifas de transporte não estão necessariamente ligadas às distâncias percorridas, dando incentivos para que as pessoas morem mais longe. Isso leva os mais pobres a morarem em periferias, como denuncia a esquerda há anos. Infelizmente, os esquerdistas defendem medidas que levarão a um isolamento urbano cada vez maior dos pobres.

A solução para a situação deprimente do transporte público no Brasil é o contrário absoluto do que se propõe: passa pela privatização dos transportes e pela liberalização do mercado.

Assim, as tarifas, as linhas e os tipos de transporte serão flexíveis. As pessoas não estarão presas às linhas decididas pelos burocratas. Elas poderão viajar em vãs, mototáxis, táxis com tarifas diferenciadas, caronas coletivas, ônibus, micro-ônibus, shuttles e o que mais os indivíduos conseguirem imaginar.

Isso também levará a uma revitalização das nossas cidades. As pessoas tenderão a internalizar todos os custos de morar e trabalhar em um local. Se precisarem se transportar de um ponto a outro, contarão com o conforto de um mercado competitivo, que leva a preços mais baixos e serviços cada vez melhores, sempre.

O pior dos mundos é o que nós temos: um mercado cartelizado, corporativista e controlado pela politicagem de plantão. Dilma Rousseff planeja estabelecer uma secretaria nacional para o transporte público. É uma pena que não tenha ocorrido à nossa presidente "tecnocrata" que os brasileiros necessitam exatamente do contrário: precisam do gostinho de um mercado desobstruído na hora de voltar para casa.

O patrimonalismo brasileiro revisitado

Artigo para a fanpage do LIBER.

Joaquim Barbosa, presidente do STF e ídolo adotado de nossa juventude, mostrou que não é imune aos charmes e benefícios do poder ao voar para o jogo do Brasil contra a Inglaterra no Maracanã no dia 2 de junho com dinheiro público.

O Maracanã também foi o destino do presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), que, num avião da Força Aérea Brasileira (FAB) levou também sete pessoas à tira-colo, entre familiares e amigos. Já Renan Calheiros, presidente do Senado, preferiu requisitar a FAB para ir a um casamento em Trancoso (BA).

No governo Fernando Henrique Cardoso, o Brasil contou até mesmo com um escândalo estrelando a FAB, conhecido como a "farra dos jatinhos". Na época, seis ministros, um procurador-geral da República e um deputado usaram aviões da aeronáutica para suas férias em Fernando de Noronha.

Exemplos não faltam, e é irônico que, num país em que um discurso anti-privatizações impere soberano na arena política, o estado brasileiro seja o exemplo maior e mais palpável de bem privado. Simplesmente não há distinção entre os bens públicos e o que está disponível para a classe política. Fazem uso disso como se fosse seu direito, numa naturalidade e casualidade constrangedora.

Isso não é nada novo. Sociólogos vêm afirmando a tendência fisiológica do Brasil e dos povos latinoamericanos há décadas. O que não afirmam é que a solução passa por uma redução radical do papel do estado na sociedade.

Afinal, num país onde o estado está em tudo, é difícil divorciar o que é público do que é privado. Precisamos desses limites. A mentalidade aristocrática de que tudo é de direito da elite tem que ser enterrada e substituída por uma mentalidade "burguesa" de separação estrita entre o que é do governo e o que é do cidadão.

E nós defendemos que tudo deve ser do cidadão, para que as farras como a da FAB não voltem a ocorrer. Porque se nem um "símbolo de pureza" como Joaquim Barbosa é capaz de resistir aos encantos das benesses estatais, como resistirão os indivíduos comuns como nós?

O capitalismo eikeano

Artigo para a fanpage do LIBER.

Em 1998, Luma de Oliveira desfilou pela escola de samba Tradição do Rio de Janeiro com uma coleira com o nome de seu então marido Eike Batista. A atitude de Luma foi discutida por semanas em todo o país. Luma teve que se defender de diversas acusações a si própria e a Eike, segundo as quais sua relação era de submissão.

Numa de suas entrevistas da época, Luma afirmou que no Brasil havia uma espécie de demonização ao empresário. Para a ex-modelo, no Brasil é impossível ser empresário sem virar alvo de críticas injustas. O traço cultural do brasileiro é anti-mercado.

O mais interessante dessas afirmações não são o fato de que elas podem estar corretas, mas o fato de que elas absolutamente não se aplicam a Eike Batista. Eike é o arquétipo do empresário explorador, que se beneficia de conchavos, alianças e favores políticos. Seu sucesso é um retrato do Brasil corporativista, no qual é impossível vencer por ter o melhor produto ou serviço.

Eike Batista é um produto artificial criado pelo estado brasileiro - em particular pelas políticas absurdas do BNDES. Eike e sua família cultivam seu estilo de vida playboy às custas do povo brasileiro. Isso não é uma metáfora. As empresas de Eike receberam, durante o governo do PT, 10 bilhões de dólares do BNDES.

Dilma Rousseff pode blefar e afirmar que esse dinheiro será "pago", pois são "empréstimos", assim como blefou ao dizer que os estádios da Copa do Mundo serão "pagos". De fato, são empréstimos conseguidos a juros artificialmente baixos subsidiados pelo dinheiro do trabalhador brasileiro. Eike jamais teve que provar que produzia algo, ou pegar empréstimos a valores de mercado. Sempre pôde contar com um empurrãozinho das "autoridades".

As empresas do grupo EBX, de Eike, passam por uma grave crise de credibilidade. Mas isso é evidente, visto que Eike não ganhou seu dinheiro por ser particularmente habilidoso em negócios ou por possuir produtos mais valiosos; foi simplesmente o resultado de uma política, um garoto-propaganda, o poster boy do capitalismo de compadres brasileiro, o capitalismo eikeano. Esse capitalismo, vale salientar, não foi inventado pelos petistas (nem por Eike), mas os petistas souberam extrair até a última gota do modelo.

Agora os partidos da fraca oposição (PPS, PSDB) querem "investigar" os empréstimos a Eike. Não há nada para ser investigado. O sistema que existe foi avalizado e utilizado por anos por esses mesmos partidos para beneficiar outros nomes. A única alternativa é desmontar o vínculo entre estado e capital. Mas nenhum político quer se arriscar dessa forma.

A única forma de resolver essas distorções é fechar o BNDES e acabar com a canalização de dinheiro via governo para qualquer setor econômico. O estado não pode mais direcionar a economia brasileira.

Luma de Oliveira, assim, podia até estar correta ao dizer que os brasileiros não apreciam os empresários, pessoas que foram capazes de enriquecer através do mercado.

Mas se isso for verdade, elas não deveriam odiar particularmente Eike Batista, porque empresário é algo que ele nunca foi.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

A ditadura não é do politicamente correto

Minha única contribuição para o Prêmio Donald Stewart Junior, do Instituto Liberal. O texto foi pré-selecionado, mas infelizmente não fui premiado com nada. Gostei do texto, e deixo aqui registrado para a posteridade.

“Posso não concordar com uma palavra do que dizes, mas defenderei até a morte seu direito de dizê-lo” (Evelyn Beatrice Hall) certamente é a frase que melhor ilustra o pensamento liberal a respeito da liberdade de expressão. A frase, erroneamente atribuída a Voltaire, é entendida por muitos liberais apenas na sua segunda metade, uma defesa radical do direito negativo de toda pessoa de não ser calada, e ignorada em sua primeira metade: a universalização desse direito, expressa na discordância do debatedor – que pode ser ativa e contundente.

O direito de falar, negativo, não implica, portanto, no direito positivo de ser ouvido e respeitado por suas opiniões. Essa é uma premissa com a qual nenhum liberal pode discordar, sob o risco de cair em contradição e deitar por terra todas as suas convicções. Partimos, então, do princípio básico de que toda forma de censura praticada de forma coercitiva é errada, mas que a resistência pacífica a essas idéias, por vias como a militância ou a resistência pacífica e ativa, como protestos e publicações impressas é válida.

Alcançado o consenso sobre esse aspecto da liberdade, podemos abordar o politicamente incorreto como forma de protesto pacífico e como tentativa de imposição cultural. Para essa abordagem, preciso contar com a boa-vontade do leitor em aceitar as seguintes premissas, que não defenderei longamente aqui por falta de espaço:

- Que existe, diluída na cultura, uma série de preconceitos de raça, gênero, sexualidade, idade, dentre outros;

- Que esse preconceito, em grande parte, foi intensificado por imposições ou legitimações estatais, como a escravidão dos negros e a proibição do voto feminino;

- Que as mudanças culturais não podem ser efetivadas de forma imediata, com uma canetada (ou com uma “canetada negativa”), e precisam de livre difusão ao longo do tempo entre todos os agentes da sociedade para se concretizar;

- Que o modus operandi do Estado é quase inevitavelmente através de canetadas;

- Que a cultura de um povo tem reflexos evidentes em sua economia e em sua participação política.

Aceitas essas premissas, a conclusão é que as relações sociais não estão em sua forma equilibrada de “livre-mercado de cultura”, mas passam por um processo de reestruturação natural a todos os mercados depois de extinta uma longa e severa regulamentação. Nesse cenário, há falência de empresas ineficientes, que podem ser representadas no cenário cultural por idéias anteriormente subsidiadas, mas sem substrato para manter-se numa sociedade livre. Há uma realocação dos recursos, que pode ser encarada, culturalmente, como o surgimento de novas idéias, antes proibidas. Surgem grupos defendendo idéias específicas, colocando ao dispor de toda pessoa várias opções, para que escolham a que julgarem mais apropriada.

Dessa forma, pode-se escolher, para falar de um negro, entre as palavras preto, negro, crioulo, afrodescendente e possivelmente outras. E os simpatizantes de cada uma dessas palavras tem o direito natural de defendê-las – desde que se mantenham longe do poder coercitivo do Estado. O politicamente correto em é análogo à tentativa de uma empresa de se estabelecer, por vias publicitárias legítimas, num mercado onde antes era proibida, ofertando seus produtos (palavras como afrodescendente e homo-afetividade) à sociedade.

O Estado, entretanto, raramente permite que as empresas tentem qualquer empreitada sem se apropriar do mérito e atribuir um valor coercitivo a uma relação de outra forma puramente voluntária e pacífica. Aqui começa e termina o problema do politicamente correto: quando o Estado sinalizou sua aprovação a essa ideia, alguns defensores do politicamente correto partiram em sua direção para pedir a oficialização das formas que defendem, numa espécie de lobby cultural, o que levou à imposição arbitrária de algumas posições que, certamente, faliriam numa sociedade mais livre (como a criticada cartilha que o Governo Federal tentou passar em 2005, elencando os termos considerados ofensivos).

É a essa intromissão do Estado que deve se opor ferrenhamente o liberal com bases ideológicas, e não ao politicamente correto em si ou suas palavras eleitas que tentam entranhar na cultura. O liberal tem obrigação moral de defender o livre-comércio das idéias, tanto quanto tem o direito de não consumir nenhuma delas, e de opor-se a elas. Porque a ditadura não é – não pode ser, em termos lógicos – do politicamente correto. Ela é do Estado.