quarta-feira, 26 de junho de 2013

O menino que gritava lobo e a política

O conto do menino que gritava lobo é mais ou menos assim: um garoto resolveu pregar uma peça nas pessoas que viviam em sua aldeia. Começou a gritar “lobo, lobo, lobo!” para que as pessoas saíssem de suas casas correndo desesperadas para ajudar a espantar o tal lobo. Ao ver todas aquelas pessoas correndo desengonçadas, o garoto se divertia, era engraçado olhar para os rostos delas desesperadas e logo depois enraivecidas com a travessura. Então, dias depois, o menino pregou a mesma peça pela segunda vez e obteve o mesmo resultado. Mas no dia seguinte apareceu um lobo de verdade na aldeia, ele gritou “lobo, lobo, lobo!” para que as pessoas o socorressem, mas ninguém acreditou em seu pedido de ajuda e ele então foi devorado.

E hoje é possível ver com extrema facilidade pessoas que gritam lobo em assuntos políticos. Todo dia um manifestante de um dos recentes protestos no Brasil diz que “o protesto era pacífico, até a polícia começar a usar da violência sem motivo algum”. Os policiais repetem incansavelmente que “a polícia jamais repreenderia alguém sem motivo, houve vandalismo por parte dos manifestantes”. E há imagens aos montes no YouTube para provar que as duas falas são mentiras – polícia atirando borracha em pessoas que pediam paz e manifestantes destruindo carros da imprensa, lojas e agências bancárias. Mas nenhum lado está muito interessado na verdade, o importante é não admitir a violência imbecil que praticam e continuar gritando lobo.

Mas por um lado faz realmente muito sentido que continuem gritando lobo. Na aldeia do garoto do conto infantil, havia os moradores mais distantes dos gritos do menino que não ouviram suas peças. Para continuar se divertindo com a travessura, bastava mudar de rua e se divertir com outros moradores. Manifestantes e polícia tentam fazer exatamente isso – espalham as mentiras em todas as ruas possíveis, a fim de encontrar pessoas que ainda não viram os vídeos que mostram o contrário do que eles alegam.

E esse é um dos motivos pelo qual as manifestações se esfriam. Você pode enganar poucos por muito tempo, pode enganar a todos por pouco tempo, mas não pode enganar a todos por muito tempo. As pessoas aos poucos vão descobrindo as mentiras e desacreditando em tudo mais que todos os lados dizem. Como eu sei que em toda manifestação com confrontos há esse modus operandi de troca de acusações entre os lados, desde o começo eu não acredito em ninguém, a não ser que eu veja vídeos provando o que dizem e nenhum vídeo contrário. Senão, me mantenho extremamente cético até o fim. E a população age parecido: acredita até que seja evidenciado o contrário.

E quem mais perde são os manifestantes. A polícia desfruta de certa credibilidade com a população em geral, uma credibilidade histórica. É uma instituição tão antiga quanto o próprio governo do Brasil. Para ser abalada seria necessário que a população reconhecesse que ela agiu de forma errada repetidas vezes e que tende a ser assim sempre. E sabemos que o povo em geral não pensa dessa maneira. Já a manifestação, como qualquer outra manifestação, tem curta duração, não detém credibilidade histórica. Qualquer coisa que fizer de errado pode abalar sua reputação irremediavelmente. Uma vez reconhecido que os manifestantes fazem coisas erradas com frequência, os que não têm opinião formada sobre a pauta de reivindicações ficarão contra a manifestação – exatamente o contrário do que ela deseja, que é o apoio popular. A mídia é o terceiro lado dessa história, mas sua relação com o menino que gritava lobo é bem parecida com a da polícia.

No entanto, um exemplo que me chama mais atenção é aquele entre direita e esquerda. Como liberal, me divirto bastante com a situação, que pode ser vista sem nenhuma dificuldade durante esta onda de protestos.

Direitistas gritam que as manifestações fazem parte de um plano tramado durante o Foro de São Paulo pelo PT, PSTU, PSOL e todos os partidos de esquerda (que seriam 95% dos existentes). As teorias de conspiração divergem em diversos pontos, mas a predominante hoje no discurso dos conservadores é essa. Então esses partidos planejaram os protestos para desencadear uma série de manobras políticas que culminarão num golpe comunista. A constituinte pedida pela Dilma seria apenas o começo do plano.

O interessante é que sempre estamos diante de um golpe comunista. Escolha um país e um ano pós-Revolução Francesa (o ideal comunista surgiu após este evento), o direitista vai lhe mostrar o perigo comunista latejante que havia naquela época e que exigiu ou exigia medidas drásticas. É sério. Qualquer país, qualquer data. Em 64 foi necessário um golpe militar no Brasil porque o perigo comunista era iminente; Pinochet precisou instaurar uma ditadura que durou 17 anos para afastar a ameaça comunista; Dilma está prestes a dar o golpe comunista; Obama é integrante de uma organização que visa implementar o comunismo pelo mundo; a União Europeia é uma organização com fins comunistas.

Agora vamos pra esquerda: tudo é fascismo. Quem é liberal é fascista. Quem é de centro é fascista. Todos os direitistas são fascistas. Esquerda moderada é fascista. Socialista trotskista é fascista para o socialista maoísta. Qualquer que seja a manifestação da esquerda, o outro lado é sempre o fascista. O esquerdista está sempre alertando sobre o evidente perigo de governos fascistas.

De certa forma, eu entendo a razão disso. Para o socialista, o capitalismo gera fome e miséria, além de promover uma constante “limpeza cultural” dos grupos excluídos. Na prática, promoveria as mesmas barbáries que os assassinatos praticados pelos fascistas. Mas essa postura se torna bastante interessante quando analisamos os governos do último século. Os que mais se aproximaram (na verdade, ultrapassaram) o número de assassinatos promovidos por governos fascistas são os governos socialistas.

Por causa da onda de protestos, esquerdistas gritam que os militares estão prestes a tomar o poder e instaurar outra ditadura militar. A polícia estaria na rua sufocando as manifestações de amplo apoio popular para que os anseios do povo não sejam atendidos e continuem prevalecendo as políticas corporativistas que geram miséria no país. A polícia teria como aliada a grande mídia, que oculta os fatos para manipular a opinião da população a fim de prevalecer o senso de que uma ordem precisa ser imposta no Brasil – no caso, pelos militares. E como sabemos, uma ditadura militar é uma das formas de fascismo. Governo liberal (neoliberal) também é fascista. A África sofre com tantos problemas por causa do capitalismo (i.e., fascismo). A América Latina é pobre porque estamos sob governos fascistas há 513 anos.

Acho que já deu pra sacar por que me divirto tanto. Os dois lados só gritam “lobo, lobo, lobo!”. Em qualquer época, em qualquer lugar, o lobo está presente, seja o lobo comunista, o lobo fascista ou o lobo “pacífico que apenas reage a ações violentas do outro lado”. Eles estão sempre estão à procura de novos moradores para pregar mais uma travessura.

Portanto, deixo a minha dica para essa galera toda: mudem o foco do discurso. Todos sabemos e está mais claro que água cristalina que o fascismo e o comunismo serão implantados no Brasil e que vocês são pobres coitados que apenas revidam violência da oposição. Mas repetir isso toda hora cansa. Aproveitem o tempo na TV pra falar mais de ideias e menos de ameaças do outro lado.


Este vídeo do Caetano Veloso é o novo sucesso da internet. várias metáforas espalhadas pelo YouTube. Se eu fosse fazer uma redublagem para ilustrar este artigo, eu diria o seguinte:

Não... Você grita lobo, cara, que loucura. Só grita lobo. Que coisa absurda! Isso aí que você gritou é apenas lobo... Lobo! Eu não consegui gravar muito bem as suas ideias porque você repete toda hora a mesma coisa, entendeu?