domingo, 29 de junho de 2008

Uma nota sobre os futuros apocalípticos da ficção científica

Eu detesto filmes de ficção científica que retratam o futuro da humanidade como um apocalipse de poluição, morte, gente descerebrada, destruição e corporações e governos gigantescos que controlam cada aspecto da vida da massa imbecil. Não que esse não seja um cenário possível, só não considero plausível.

Esses filmes transmitem uma certa desconfiança do progresso, como se o que fosse bom é o que existe agora ou que já existiu. Até identifico aí um padrão, como os debates dos liberais clássicos com os conservadores, em que os liberais defendiam o progresso, os padrões mais altos de vida, a indústria, o comércio, enquanto os conservadores defendiam a família, valores sociais, a hierarquia da sociedade, o retorno aos good old times.

Cineastas (e, por que não, escritores) que imaginam esses cenários para o futuro têm uma atitude cínica para com a humanidade. Para eles, só quem identifica os problemas da humanidade são eles mesmos, as outras pessoas são apenas um bando de retardados prontos a aceitar o comando de uma megacorporação a qualquer momento.

Mas se as pessoas em geral realmente não passam de imbecis, por que desejar que elas mudem? Afinal, se elas acabarem num estado deplorável no futuro, elas vão merecer. No meu caso, sinceramente, eu não vejo qualquer valor em defender a liberdade para um monte de mentecaptos. Se eu defendo a liberdade para todos, é porque eu tenho uma crença indelével na criatividade e na capacidade humanas.

É divertido você assumir que todos são estúpidos exceto você. Mas eu não saberia explicar todas as coisas de que eu gosto (videogames, mangás, livros, coisas fúteis mas que significam muito para mim) se os seres humanos realmente não são capazes de coisas incríveis. E se não são e acabarem num futuro estilo Blade Runner, bom, they had it coming.

terça-feira, 3 de junho de 2008

O teste político da Veja é um lixo

Evidente que nenhum teste político é perfeito, mas o da Veja é simplesmente tenebroso. Metade das perguntas eu não soube como responder. Algumas das perguntas foram tiradas do Political Compass, outras foram criadas pela própria Veja - e dá pra notar bem as irrelevâncias que a Veja considera ser as prioridades do país.

A estrutura é a mesma do Political Compass, inclusive. Cada pergunta (são vinte) com as opções "concordo integralmente", "Concordo", "Discordo", "Discordo integralmente". A seguir algumas perguntas:

1) O MST age corretamente quando invade terras para pressionar pela reforma agrária.

A pergunta pode ser dividida em várias partes. Ela quer saber se nós aprovamos as ações do MST, se aprovamos a reforma agráfia ou se invadir terras é uma tática válida?

Se ela só quer saber se as táticas do MST são justificáveis, eu diria que não - na maioria dos casos. Mas eu não vejo nenhum problema em pressionar por uma reforma agrária (liberal, onde as terras obtidas via agressão fossem devolvidas aos donos legítimos) ou em invadir terras injustamente adquiridas.

Mas para a Veja é tudo a mesma coisa. MST = reforma agrária = invasão indiscriminada de terras.

2) É melhor ditadura com estabilidade econômica do que democracia com inflação.

E é ainda melhor andar de montanha-russa e tomar sorvete! Yeah!

Seriously. Me sinto até constrangido de comentar um lixo patético desses. Primeiro a pergunta estabelece a falsa dicotomia entre ditadura e democracia. Depois estabelece uma comparação absurda entre estabilidade econômica e inflação, como se houvesse alguma relação causal entre ditadura e estabilidade econômica ou democracia e inflação. Garbage.

4) A privatização em setores como energia e telefonia trouxe benefícios para o país

A questão não é essa. A questão é se as privatizações foram feitas adequadamente ou se serviram só para privilegiar alguns plutocratas. É evidente que as privatizações beneficiaram o país, porque não era possível que os serviços piorassem em relação ao que era antes. O que não é evidente é que as privatizações foram a melhor escolha possível.

6) Entre um candidato corrupto, mas tocador de obras, e um honesto, mas ineficiente, prefiro votar no primeiro

E eu prefiro que o Dexter mate os dois, tirando o sangue e embalando em papel para presente. Duh.

7) É condenável que as pessoas fiquem milionárias apenas aplicando no mercado financeiro, sem contribuir em nada para a sociedade

Veja que a premissa da pergunta é que quem aplica no mercado financeiro não contribui em nada para a sociedade. A questão é se isso é condenável ou não. O fato é que elas não contribuem. Naturalmente.

9) O estado deveria ter controle apenas sobre as áreas de segurança pública, saúde e educação, deixando os demais setores sob responsabilidade das empresas privadas

Ih, e agora? Eu discordo, mas é porque eu acho que o estado não devia ter controle sobre nada. Mas se eu colocar que discordo, vou para o eixo "esquerda" ou "antiliberal". A Veja obviamente acha que a minha posição política nem deveria ser representada num politicômetro.

11) direitos como férias, décimo-terceiro e FGTS deveriam ser retirados da lei e negociados caso a caso, entre patrões e empregados

Idealmente, eu acredito nisso. Mas eles deveriam incluir na afirmativa também outros pequenos benefícios aos empregadores, como, sei lá, o BNDES.

17) O ensino religioso deve fazer parte do currículo de todas as escolas

Essa é uma típica non-issue. Eu não acho que devo decidir o currículo de ninguém. Mas a Veja acha que você tem o direito de decidir o que eu ou o meu filho vão estudar. Oh, well.

20) Deveria haver uma cobrança de mensalidade nas universidades públicas

A última pergunta do quiz fecha com chave de ouro a rodada de irrelevâncias. Se eu concordo com a afirmativa, eu vou para a direita? Ou para o liberalismo? Por quê? Por que não questionar a existência das universidades públicas? Por que concordar com a afirmativa não me colocaria mais à esquerda, já que manteria as contas do estado em dia, logo permitindo que ele exerça o controle sobre as universidades mais efetivamente? One wonders.