segunda-feira, 21 de abril de 2008

Ninguém é dono de nós mesmos?

De vez em quando eu vejo repetido certo argumento contra o direito de auto-propriedade libertário ("self-ownership"). Ele diz basicamente que nós não somos donos de nós mesmos, nós somos nós mesmos. Reproduzo o argumento da forma como eu o vi da última vez:
I've always thought the concept of "self-ownership," so loved by many libertarians, is a little screwy: Man is not a good he owns, he is himself. To the common comeback, "If you don't own yourself, then who does?" my answer has been, "No one, just like no one owns arithmetic or the night sky." -- Crash Landing - 16/04/08
Essa objeção sempre me pareceu descabida. Não há nenhum motivo por que você não possa ser você mesmo e ter a propriedade sobre seu corpo. Os escravos foram privados de seus direitos de propriedade sobre si próprios, mas eles não deixaram de ser eles mesmos por isso. Eles apenas foram privados (parcialmente) do controle dos próprios corpos. Propriedade significa controle de algo por alguém. Se você controla seu corpo, você tem a propriedade sobre ele. Eu ainda diria que você tem a propriedade legítima sobre ele, já que há poucos casos em que a própria pessoa poderia ser alienada do controle sobre seu corpo.

Outro ponto que me ocorre é que me parece absurdo simplesmente afirmar que você é você mesmo. Claro, obviamente isso é verdadeiro. Mas a essência do que é o indivíduo não está em todo o seu corpo uniformemente. Você pode perder um braço ou uma perna, isso não significa que "você" foi amputado, mas que seu braço ou sua perna foram amputados. Sua consciência permanece.

A resposta de que ninguém é dono de nós mesmos também não me parece plausível, principalmente dados os exemplos de que ninguém é dono da aritmética ou do céu. Há um motivo por que ninguém é dono do céu e da aritmética e por que é necessário estabelecer um vínculo de propriedade sobre os corpos. A aritmética e o céu não são bens escassos. Os corpos humanos são. Isto é, o uso que uma pessoa faz da aritmética não exclui o uso de outra pessoa, assim como o fato de que alguém observa o céu não exclui a possibilidade de que outra pessoa faça o mesmo. (Agora, naturalmente é possível que bens que não eram escassos no passado se tornem escassos mais tarde, em virtude de mudanças tecnológicas, geográficas ou institucionais. Assim, é possível que o céu se torne um bem "escasso", graças a mudanças tecnológicas ou à poluição, e que, caso se estabeleça uma patente sobre a aritmética, ela também se torne escassa.)

Os corpos humanos são escassos. Se eu uso o meu corpo, isso exclui o uso dele por outra pessoa. Ou seja, nossos corpos são bens rivais e excludentes, em economês. A analogia dos corpos humanos com a aritmética ou com o céu não faz nenhum sentido. E o fato de que nós somos nós mesmos é totalmente irrelevante para a questão de se nós somos ou não donos (legítimos) dos nossos corpos.

A crença na totalidade da política

A esquerda atual freqüentemente insiste no ponto de que "tudo é política", ou seja, insiste que tudo é passível de discussão pública, de debate ou deliberação coletiva. A esquerda em geral quer que a vida das pessoas seja politizada em todos os sentidos. É fácil perceber o motivo de toda essa insistência. Ao se tornar todos os aspectos da vida passíveis de debate, não é preciso mais respeitar certos direitos individuais, que se tornam relativos, dependentes de certas contingências e conveniências.

Politizar todos os aspectos da vida significa que se perde a divisão entre o "público" e o "privado", ou seja, a divisão que delimita o que é e o que não é passível de ação coletiva, de legislação. As garantias mínimas de que o indivíduo desfruta se tornam apenas conveniências relativas. A esquerda não tem o menor problema com isso porque ela não acredita na existência de uma moralidade absoluta.

Eu não vou discutir o fato de que a sociedade, ou melhor, o bom funcionamento da sociedade, depende do cultivo de certos valores para não desintegrar. De fato, a única coisa que mantém a sociedade unida é uma percepção da maioria de que ela não deve agir positivamente para destruí-la. Mas isso está bem longe de dizer que "tudo é política", e me parece evidente que pensar que tudo é política é um jeito bem pobre de ver a vida.

MTV Debate

A MTV se dispõe a debater a participação da juventude na política. Lobão pergunta por que a juventude é tão chapa branca hoje em dia. Ele espera conseguir uma resposta dos seguintes convidados: a presidente da UNE, a presidente da Juventude PT, o secretário da juventude do Governo Federal, um cara que invadiu a UnB, um integrante do movimento hip-hop MH2O que caracteriza o governo Lula como "governo popular" e a organizadora do site Coletivo Digital, que faz parte do PT. Ou seja, três petistas e três pelegos. Obviamente a juventude não é chapa branca.