domingo, 11 de março de 2007

Veja e a revolução

Esta semana, na Carta ao Leitor, a Veja decidiu parar de grafar "Estado" assim, com inicial maiúscula. Diz que é porque se "indivíduo" é iniciado por minúscula, Estado deve ser também - Estado é inferior aos indivíduos, ou está na mesma classe, não me lembro bem. Sei que a Veja busca um "equilíbrio" entre Estado e indivíduo - algo como você poder me semi-matar, mas não matar por inteiro, sei lá.

Eu continuarei escrevendo Estado como manda o Aurélio. Mas isso não é ostentação ou algo assim. É para lembrar que, no Brasil, o Estado é, sim, maiúsculo, gigantesco. Acredito, inclusive,que deveria ser escrito com 50% de suas letras maiúsculas, representando os 50% de impostos, mas, em nome da estética, não adotarei esse método ("ESTado ou EsTaDo?", perguntou-me o frost).

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Em países em que o Estado é menor, observou a revista, a palavra é grafada com inicial minúscula - para exemplificar utilizou a língua inglesa. Na França a inicial é maiúscula, e lá o Estado é grandão. Não acho que essa inicial seja reverente: é uma denúncia. Em países onde Estado é grafado com inicial maiúscula há uma forma de protesto implícita na língua, a vontade do povo de chamar atenção para o tamanho do Estado, mostrar como ele ocupa espaço, como ele está onde não deveria:

"Veja, nós te notamos, Estado. Nós sabemos que você é grande e não gostamos disso. Você nos faz gastar mais tinta com impressão", diz o povo ao grafar Estado com inicial maiúscula. A Veja só errou a interpretação.

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Mais adiante, a Veja cita Paul Valéry numa frase que diz algo como "Estado não é bom nem demais, nem de menos". Eu acho que quanto menos melhor. De fato, eu defendo o Estado negativo. O Estado que, ao invés de gerar gastos, gere riqueza do nada, como do nada faz surgir suas despesas. Estado é sempre excesso e é sempre ruim. Quanto menos, melhor. E o mínimo possível tende ao infinito: o infinito negativo. Quando o Estado for assim, infinitamente negativo, ninguém jamais precisará trabalhar, porque não haverá mais escassez.

Isso é só uma demonstração de como o Estado é muito, muito nocivo para a sociedade.

terça-feira, 6 de março de 2007

A escravidão parcial (ou o porquê de o Brasil não ser consistente)

Dizia Bastiat que não se deve recusar um dom parcialmente gratuito e aceitar outro de gratuidade completa. Pois digo eu aqui uma conclusão óbvia a que se chega a partir dessa observação de Bastiat: não é possível ser contra a escravidão total se se defende a escravidão parcial. É algo ainda mais ilógico que aceitar o sol e recusar lâmpadas mais baratas: é recusar o sol e aceitar as lâmpadas.

Acontece que, no Brasil (e não só no Brasil, mas em todo o resto do mundo), as pessoas não se incomodam por ser parcialmente escravas ou por existir essa escravidão parcial. Todos são obrigados a dar parte do fruto de seu trabalho para um senhor de engenho que, em troca, não provê mais do que proviam os senhores do Brasil Colônia. Esse senhor, por excesso de contingente, não consegue empregar todos em suas lavouras, restringe quaisquer trocas alheias a ele e faz surgir, por conta disso, desemprego e tráfico.

A escravidão do Brasil colonial ainda tinha outra vantagem sobre a atual, além de ser logicamente mais consistente: era aberta. Todos os escravos sabiam que eram escravos, e essa consciência permitia que eles se revoltassem, criassem seus quilombos e resistissem à exploração injustificada. Mas basta olhar para o lado que se encontra alguém que defenda, incansavelmente, a escravidão parcial, o direito do senhor de usurpar parte do meu trabalho em troca de nada ou quase, afirmando que não há nada mais justo que João trabalhar para sustentar Pedro e José.

Antigamente, ninguém dizia ao escravo que ele era o senhor: seria degradante para o senhor e o escravo, ao cobrar seus "direitos" de senhor e vê-los negados, notaria que não era senhor de coisa alguma. Ninguém acreditaria. A escravidão parcial permite que os senhores finjam ser empregados dos escravos, finjam estar servindo enquanto roubam metade do fruto do trabalho de cada um, enquanto tudo o que fazem é ceder parte do alimento que ele tem, parte (ínfima) de tudo o que arrecada. Como se ele repassasse aos escravos o que roubou, mas só depois de gastar o máximo que conseguiu.

A escravidão parcial perdura justamente por causa disso: é como se Luís XIV bradasse "o Estado são vocês" e nós aceitássemos isso, mesmo vendo que Luís XIV não sai do trono, não trabalha e vive melhor que qualquer escravo, por mais bem sucedido que seja. A escravidão parcial é tão imoral e logicamente inconsistente e economicamente ineficiente quanto a escravidão total. Ou mais.