quarta-feira, 27 de dezembro de 2006

Sobre leis e honestidade

As pessoas pensam que tudo pode ser evitado através de leis. Uma vez, na faculdade, um professor meu citou uma lei qua proibia, por exemplo, oftalmologistas de terem lojas de óculos, porque isso daria abertura para uma potencial desonestidade dele. Ele realmente achava que uma lei impediria que um médico abrisse uma loja, digamos, no nome de um laranja? Ou que fizesse uma aliança com um vendedor de óculos? Esse tipo de coisa é impossível de ser fiscalizada. Querendo ou não, estamos à mercê dos oftalmologistas. Estranhamente, nem toda a população mundial usa óculos ainda.

Essa noção de que todos são desonestos a não ser que a lei os obrigue a agir direito é incrivelmente estranha. Se as pessoas soubessem o quanto da vida delas depende pura e simplesmente da honestidade das outras, provavelmente não viveriam mais. Ou você entende alguma coisa dos mecanismos da sua televisão? Mas quando ela está com defeito, você acredita que o técnico a consertou da melhor maneira possível. O encanamento da sua casa está vazando? Você chama um bombeiro. Ele pode apenas remendar porcamente seus canos, mas você acredita que ele fez um bom trabalho. Você realmente acha que ele te enganou?

Só que quando se trata de advogar uma lei qualquer de "proteção" ao consumidor, as pessoas passam a desconfiar prontamente umas das outras. Pensam que o estado poderá protegê-las das outras. Mas isso é uma esperança ilusória. É impossível, por motivos meramente práticos, que o estado regule todas as áreas da nossa vida. E mesmo que existam leis para tudo, por que haveriam de ser cumpridas? Se as pessoas são tão desonestas, é de se esperar que não se impotem com esse tipo de coisa. E por que os funcionários estatais haveriam de aplicar essas mesmas leis? Não estariam eles sujeitos ao mesmo tipo de corrupção do resto da humanidade?

Não existe nenhum modo de fazer com que leis nos protejam de todas as adversidades da vida. Esse tipo de fé cega tem que acabar imediatamente. E o mercado é a única instituição que premia a honestidade e pune a desonestidade. Aliás, na próxima vez que você for fazer um contrato, lembre-se de que aquele que está na sua frente o assinando é um potencial ladrão.

sábado, 23 de dezembro de 2006

Algo com o extremismo

As pessoas, em geral, quando ouvem falar em "extremismo", tremem. É como se um extremista fosse sempre um assassino pela causa ou algo assim. Isso faz com que todos sejam extremamente permissivos. É como se Hitler fosse o único extremado do planeta e como se Gandhi fosse um moderado. Gandhi não permitia o consumo de "alguns" produtos ingleses em seu boicote. Era extremado, por isso conseguiu mudar algo.

Se se permite um pouquinho mais aqui, outro tanto ali, acaba-se aceitando tudo exatamente como está, ou pior. Para o bem, apenas o extremismo é capaz de mudar algo.

Mas o medo das medidas extremas é mais forte para a maioria dos capitalistas, inclusive. Acabam cedendo um pouquinho pro Estado. Mais um pouco, outro tanto, e, de repente, instaura-se o comunismo. Comunismo é, por assim dizer, a doutrina das permissões. Permite-se que o Estado roube de todos, que alguém menos produtivo roube de você e que você roube de alguém mais produtivo. É a tolerância ao crime.

É cinismo, não menos, pessoas dizerem que defendem a propriedade privada e o saque simultaneamente. Um mínimo de saque permitido corrompe a propriedade privada. Pode-se dizer, portanto, que quem permite o mínimo de saque permite o fim da propriedade privada como última conseqüência de seus desejos.

Daí a justificativa do anarco-capitalismo: a intolerância ao saque. Grosso modo, pode-se dizer que existem apenas dois "sistemas": um permite o saque e descamba em comunismo, o outro é contra saque e leva ao anarquismo.

É preferível, mesmo, um sistema que assume o saque como prioridade a um que finge ser contra ele. O primeiro é mais vulnerável, por se apoiar em bases podres; o segundo resiste por mais tempo, porque, além das bases podres, utiliza-se de subterfúgios "morais". Qualquer radicalismo é mais honesto que qualquer moderação. Qualquer postura é mais honesta que qualquer meio-termismo.

sábado, 9 de dezembro de 2006

O que significa se preocupar com os pobres

No programa Ação, que eu estava vendo há pouco, Serginho Groisman falava de um programa social implantado na Argentina que consistia em fazer capas de livro com papelão e tinta, para estimular os catadores de papel das ruas. Não sei se o programa era estatal ou privado, mas não me importa. O fato é que isso ilustra a confusão que a esquerda faz entre preocupar-se com os pobres e ter pena deles.

É justo se preocupar com os pobres. Mas uma coisa bem diferente é você fazer capas de livros de papelão e tinta para ajudar os catadores de papel. Eles acham realmente que estão ajudando os pobres com isso? Estimulando o emprego miserável deles? Se preocupar com os pobres não significa admirar a pobreza deles; significa querer tirá-los daquela situação. Os pobres não precisam de pena. Fingir que catar lixo é um trabalho digno e maravilhoso não vai ajudar em nada - só vai aumentar o número de catadores de lixo.

segunda-feira, 4 de dezembro de 2006

Papéis trocados

Tá, ok, título clichê, mas o que se pode dizer da expressão "Deus é fiel"?

É como se, de repente, fôssemos nós a ameaçar Deus com pragas no paraíso e a morte do seu primogênito. Por algum motivo, entortaram a história. A fidelidade não deve ser de Deus, porque todos têm vários inimigos acreditando nele ao mesmo tempo e seria impossível seguir fiel a ambos. E, se se trai uma pessoa, deixa-se de ser fiel. É impossível para Deus ser fiel. É como se eu, protestante da Universal, desejasse a morte de um inimigo meu, da mesma igreja, e Deus o matasse e não matasse. Não dá. Talvez ele o deixasse aleijado, um meio termo bastante ponderado, mas eu quero que ele morra, só isso me satisfaz.

Mas não, não, as pessoas insistem em exigir fidelidade de Deus, como se Ele fosse nosso subordinado, nosso empregado. É como um faxineiro pedir ao dono da empresa pra lhe ser fiel. O dono não ganha nada com isso. Há vários faxineiros por aí, poucos empresários. Se o mercado de deuses fosse mais movimentado, poderíamos exigir fidelidade deles, sob pena de trocá-los por outros. Faziam isso na Grécia, e eu acho que era uma atitude bastante inteligente dos gregos essa de cultuar vários deuses. Como tudo é uma questão de fé, sou obrigado a conceder aos gregos o título de fé mais racional.

"Qual é, Poseidon, não vai me deixar navegar? Vou fazer oferendas a Athena, a partir de hoje", diria um grego em ameaça. Certamente Poseidon cederia. Quando só se pode contar com um Deus a história é outra. Um Deus único não tem nada a perder. Se você deixá-lo, ficará sem proteção divina. Não há o direito à troca.

P.s.: O título é clichê, de fato, mas imaginem se eu preferisse chamar o texto de "trocando as bolas com Papai".